Bruxelas, dia 4

Manekken-Pis

Era domingo, e ao domingo é imoral sair da cama antes do meio-dia, pelo menos para mim. Acordei com as ideias turvas, é o que dá viver as pessoas muito mais intensamente do que os locais. Tinha fome e com o meu gorro “à sem-abrigo” decidi fazer-me à cidade, sozinho porque considero-me sempre a melhor companhia.
Eu gosto de deambular por ruas onde ninguém me conhece e o ambiente frio de Bruxelas é fantástico para isso. Foi neste dia que mais gostei da cidade, foi neste dia que a observei melhor, foi neste dia que a máquina passou mais tempo no bolso e mais imagens se me gravaram na memória.

Depois de ter passado pelo puto a mijar e não o ter visto, de ter voltado a trás e pensar “Ah, e isto é uma atracção turística?”, tive de me ligar ao mundo, já não estou habituado a informar-me pela televisão, nem sequer gosto, na Internet a informação que eu quero vem ter comigo e ainda pude escrever isto.

Perdi-me novamente pela cidade e decidi voltar ao hotel, em boa hora o fiz pois nessa tarde o Jorge e o Vasco proporcionaram-me uma tertúlia sobre política das mais agradáveis que me lembro de ter tido.

Uma noite memorável foi nascendo do nada e ainda deu direito a sessão de rap proporcionada pelo entregador de pizzas.

Este foi o melhor dia.

Bruxelas, dia 3

Cidade limpinha

Desta vez a voz simpática que me tinha acordado no dia anterior chegou pelo telefone, a ideia era mais ou menos a mesma, meia hora para estar no lobby do hotel.

Saímos em direcção à Noordstation e eu continuava sem saber ao certo qual era o programa de festas, foi só quando chegámos à estação que percebi que aquela gente queria ir toda para Bruges, certamente não era o que estava nos meu planos e tive várias razões para não querer ir e fiquei por Bruxelas. O Carlos fez o mesmo, o que até deu jeito pois por esta altura pensávamos que o resto da malta tinha ido para Amesterdão.

Objectivo: andar à deriva por Bruxelas, virar nesta rua ou naquela sem qualquer destino definido, simplesmente viver a cidade e misturar-nos com as suas gentes.

Ouviam-se sirenes, muitas sirenes, mais do que o costume, os estacionamentos estavam bloqueados com fitas da polícia, ao longe ouvia-se música. Ficámos a saber do que se tratava ao abordar um polícia que nos explicou que ia haver uma mega-manifestação de trabalhadores do Grupo Volkswagen.

No fim da avenida encontrámos um arraial que mais se parecia com um concerto do que uma manifestação, no centro um palco onde uma banda entoava covers de alguns sucessos do rock, nos passeios rolotes de comes-e-bebes e uns quantos carros de exteriores de várias televisões, admito que cheguei a pensar que se ia dar ali uma festança fenomenal.

Continuámos e decidimos ir pelas ruas por onde ainda não tínhamos passado nos dias anteriores, fomos dar com a baixa lá do sitio, uma rua fechada ao trânsito e um mar de gente, lojas, lojas e mais lojas, uma Zara de dois pisos e uma H&M de três (era a terceira que víamos só naquela rua). Nas esquinas tínhamos a polícia de choque pronta para intervir caso alguma coisa corresse mal na avenida do lado de onde vinha muito barulho.

O barulho era tanto que, a comer um gauffre, decidimos ir espreitar a tal manifestação: gente, muita gente, dizem os jornais que eram mais de 15 mil, vinham de todo o mundo, dizem os jornais que também vinham de Portugal. Espero que a comitiva Portuguesa tenha aprendido alguma coisa com esta manifestação, feita a um sábado, sem prejudicar o normal funcionamento da cidade.

E mais uma vez uma prova de porque é que os sindicatos não podem ser levados a sério: no meio da manifestação não faltaram as bandeirinhas com a cara do Che “fuzilámos e fuzilaremos” Guevara, os tambores e os apitos também não ajudaram a que a mensagem se tornasse credível… Valeu que no fim toda a rua ficou limpa.

Depois da multidão na baixa lá do sitio e da multidão da manifestação fomos espreitar a Grand Place de dia, bonita mas não tanto como a imagem que guardo da primeira noite. Estávamos com sede e no país onde existem mais de 350 cervejas diferente não podíamos deixar de provar pelo menos algumas, entrámos num bar onde degustámos uma cerveja cuja a marca já não me recordo, na memória ficou a experiência nada interessante de ter um senhor de idade a elogiar a minha camisola. Ala que se faz tarde!

Mais umas voltas pela cidade, e assistimos a quedas aparatosas na pista de gelo que estava numa das feiras de natal espalhadas pela cidade, também deu para ver que lá as igrejas são mais iluminadas, têm luz natural, não são sombrias como cá.

Pelo meio almoçou-se e tomou-se uma decisão importantíssima: não nos voltarmos a arriscar a entrar num bar em Bruxelas e poupar uns trocos comprando duas cervejas de cada marca, de algumas que tiveram a sorte de serem seleccionadas, e levar para o hotel, acompanhadas de snacks e amendoins.

Daqui para a frente a história é simples: a malta juntou-se no meu quarto, provámos as cervejas e vimos o Porto dar dois-zero ao Boavista, voltámos ao kebab da primeira noite para jantar, e eu aprendi a ter cuidado quando digo “spicy“, a noite acabou numa discoteca simpática.